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Resenha do livro: A Cabala Draconiana


Resenha do livro: A Cabala Draconiana

Qualquer um que já se pôs a estudar mais de um sistema mitológico – mesmo que por pura curiosidade – deve ter chegado a conclusão que existem pontos gerais em que as mitologias muito se assemelham. Tal tipo de linha de estudo até se tornou uma ciência, denominada Mitologia Comparada. A maioria dos estudiosos só se põe a fazer esse tipo de comparação para traçar perfis culturais, sociológicos e psicológicos dos povos que os criaram ou se guiaram por sistemas de mitos ou religiosos, nunca se debruçando profundamente sobre o conteúdo da mitologia em si. Diferentes pesquisadores geram diferentes abordagens e ângulos de estudos. Na Psicologia, por exemplo, Freud dizia que certos mitos expressam repressões e distorções comportamentais, principalmente os relacionados a figura da mãe e do pai, personas chave no desenvolvimento sexual e comportamental de todos os indivíduos. Como essas distorções se repetem com certa frequência, viram mitos, sendo o exemplo mais popularmente conhecido o Complexo de Édipo. A análise de Carl Jung de sistemas mitológicos é um pouco diferente – provavelmente pela educação religiosa dele, e derivado desse estudo surgiu a teoria dos Arquétipos do Inconsciente Coletivo. Imagens como a Mãe, o Pai, o Nascimento, a Morte, a Iniciação… seriam todas universais e culturalmente inatas, se manifestando pessoalmente através dos Complexos, onde os Arquétipos se misturam com interpretações pessoais.
O Dilúvio Universal com poucos sobreviventes, por exemplo, é recorrente em inúmeras mitologias, sendo o judaico-cristão apenas o mais conhecido no Ocidente. Babilônia, Nova Guiné, Astecas, Incas, Hindus, todos têm mitos diluvianos parecidos. São cerca de 120, aproximadamente. O mais antigo documentado, bem antes do bíblico, provavelmente é o mesopotâmico, extraído da Epopéia de Gilgamesh, que entre outras coisas, narra a jornada de Uta-na-Pistim na construção de um barco, que deve ser cheio de animais e sementes, garantindo a sobrevivência da humanidade. Quando Uta percebe que a chuva diminuiu, solta uma ave. Similar a uma história que você conhece? Com certeza! Mesmo com todo o tipo de evidência puramente cultural que me parece suficientemente forte para exigir uma investigação histórica, os mitos são tratados com desprezo pelos que se dizem racionais. Por volta da década de 1950, o Dr Immanuel Velikovsky propôs que talvez tenha havido um grande dilúvio, se baseando na intensa repetição de relatos similares por diversos povos. Mas certos grupos da comunidade científica rejeitaram veementemente essa hipótese, mesmo com Velikovsky dizendo que tal dilúvio poderia ter se originado de uma colisão meteórica ou algo assim – o que poderia ser considerado científico, de uma forma geral. Para os cientistas que rejeitaram a proposta de investigação dele, aceitar parte de um mito – mesmo que comprovado através de posteriores trâmites empíricos – significa aceitar todo um mito, e ninguém sabe que tipos de pensamentos poderiam se originar dessa concessão.
O que isso tem a ver com a Cabala do título do artigo? pode estar se perguntando você. Tudo! Assim como na Mitologia Comparada, a Cabala deve ser vista e estudada como um sistema filosófico, que contém diversas similaridades com outros, bem como interpretações particulares do Judaísmo, onde se originou sua corrente mais conhecida. A Cabala não é muito diferente do Sufismo islâmico ou do Gnosticismo cristão, e assim como eles, é amplamente rejeitada pelos seguidores do Judaísmo (ou do Islamismo ou Cristianismo) puro. Essas três correntes, por sua vez, se assemelham ao Yoga hinduísta, ao Lamaísmo, a alguns aspectos do Hermetismo e da Alquimia. Certos tipos de comparação podem se estender ao infinito, o que gera um quadro de sistemas de mitos/religiosos que me parece metaforicamente correto: todos esses sistemas podem ser diagramados como um círculo; mais para a borda dele existem os setores mais racionais e massificados, todos distantes e brigando entre si, a exemplo do Cristianismo e Islamismo tradicionais; e mais para o centro existem movimentos com uma relação maior com a parte espiritual da religião, e as similaridades entre eles são notáveis. Creio estar me fazendo entender, dizendo quando religião e esoterismo são puramente racionalizados, todo o tipo de conflito surge entre eles, mas quando ele procura o auto-conhecimento, todos esses movimentos se encontram. A Cabala não deve ser vista como algo isolado, único, a verdade, ou o melhor sistema esotérico e de auto-conhecimento. Ela é “unicamente” uma interpretação, um modelo… nem melhor nem pior que outros sistemas com aspectos similares.
E o mais interessante da abordagem do livro A Cabala Draconiana, de Adriano Camargo Monteiro, é justamente essa: ampliar o tema e coloca-lo num contexto maior. Tal visão deriva da formação em Religiões e Mitologias Comparadas do autor, o que certamente contribui muito positivamente para a temática do livro. O Draconiana do título diz respeito ao lado negro da Cabala, pouco explorado, rejeitado. A Cabala é uma filosofia, um sistema esotérica para se obter o auto-conhecimento, ou o conhecimento de Deus e o Universo – essencialmente interior. De uma geral, a Cabala é considerada sistema oculto mais completo da tradição ocidental, segundo Adriano, e se conecta com outros sistemas ocultos, como o Tarô e o próprio Hermetismo – daí surge a chamada Cabala Hermética, por exemplo.
De acordo com uma das versões de sua própria tradição, a Cabala surgiu de uma série de textos que Moisés recebeu de um Arcanjo. De uma forma empírica, é mais provável que o conhecimento cabalístico tenha sido absorvido por Moisés durante suas iniciações no Egito, o que explica muito do sincretismo cabalístico com elementos mitológicos egípcios. Neste estágio é importante citar uma diferenciação feita pelo autor. A Cabala Judaica enfatiza o estudo teórico e primariamente intelectual dos livros sagrados escritos pelos profetas judaicos – o Torá e o Talmude. É uma forma de conhecer melhor a vontade de Deus e o papel dos humanos no Universo. Entretanto, se afasta de qualquer praticidade, se firmando somente em teorias. Já a Cabala Hermética, nascida da união da Cabala Judaica com os estudos alquímicos e ritualísticos de Hermes Trimegisto – ou de seus seguidores, para ser mais claro – avança nas práticas espirituais, interiores. A Cabala Hermética absorveu influências de outros sistemas – o que é normal em sistemas mágicos, especialmente metasistemas como Magia do Caos – como a Astrologia, o Tarô e escritos de Psicologia, especialmente a Jungiana. O objetivo dela é o mesmo de outros sistemas de auto-conhecimento: limar os aspectos negativos da existência humana para elevar-lhe o caráter, e fazer seus seguidores entenderem o Universo de uma forma mais ampla.
Um dos maiores símbolos da Cabala é a Árvore, vista como uma dádiva divina, imagem visível da fertilidade. A Árvore da Vida é o símbolo máximo dessa representação. Dentro da Árvore da Vida existem as Sephiroth, que é o plural de Sephira, que são números e emanações. A disposição das Sephiroth dentro da Árvore da Vida são como um mapa representando o Caminho Cabalístico do Iniciado, ou de forma geral, o caminho da evolução humana e o despertar de poderes dela. Olhando de forma invertida, as Sephiroth representam o processo de criação do Universo e os poderes dele. Os 22 Caminhos da Árvore da Vida somados as 10 Sephiroth formam os 10 Caminhos da Sabedoria. Só para comparar, os 22 Caminhos são equivalentes aos 22 Arcanos maiores do Tarô.
Arte do mangá “Berserk”.
E é justamente na Árvore é que resiste a principal diferença entre a Cabala Hermética e a Qliphótica, ou Draconiana. A Árvore cabalística não seria a Árvore da Vida dentro do sistema Draconiano, mas sim a do Conhecimento do Bem e do Mal, que do outro lado conteria a degeneração do ser humano e do Universo, representando suas forças mais animalescas e seus comportamentos mais obscuros e instintivos. Numa linguagem fácil de se compreender para uma sociedade cristã, o lado sephirótico da árvore conteria os anjos e o lado qliphótico os demônios. O lado qliphótico da Árvore seria o Yin e o lado sephirótico o Yang. Os dois se complementam e não vivem sem o outro. Luz não existe sem trevas, e por esse motivo a abordagem Draconiana é mais completa na visão do autor. E para deixar o estudo sobre Cabala Draconiana ainda mais amplo, Adriano descreve os fatores mais importantes das Sephiroth e das Qliphoth correspondentes de cada uma. No estudo descrito no livro, o autor disseca as Sephiroth-Qliphoth nos seguintes aspectos: nome da Sephira/Qliphoth e sua localização na Árvore da Vida/Morte, nome divino dela, a consciência espiritual que a rege, o poder que controla e gera as formas astrais e as manifestações físicas dela, o corpo celeste correspondente, e os nomes dos deuses de diversos sistemas mitológicos relacionados com a Sephira.